Com a reestruturação do capital e o avanço das políticas neoliberais, a massa de excluídos aumentou, exigindo mecanismos eficientes de controle social e de garantia da propriedade privada. Contemporâneas ao advento do capitalismo, as prisões – aqui compreendidas enquanto espaços de privação de liberdade, onde, a partir da medida fundante do capital, o tempo, aqueles que não se adequam à nova ordem econômica e social cumprem sua dívida com a sociedade – apresentam-se como solução, não mais como espaços para tornar os corpos dóceis, mas enquanto depósitos humanos, locais onde se confinam os dejetos sociais. Para estigmatizá-los, o capitalismo se vale da filosofia neoliberal de sucesso individual e de meritocracia, que, amplamente difundida pela mídia, tipifica e divide a sociedade entre “homens de bem” e “inimigos”, a partir de critérios previamente construídos, como a cor da pele, o local de moradia, o tipo de trabalho que executam e os locais que frequentam. Com uma estrutura cruel e desumana, superlotada graças a seletividade do sistema de justiça, as penitenciárias se tornaram locais em que as medidas de exceção imperam e onde as condições sub-humanas de vida são aceitas e até justificadas enquanto necessárias, uma vez que aqueles que lá estão alcançaram a condição de homo sacer, pessoas que, para segurança de outros, se tornam matáveis e sacrificáveis. O presente estudo teve como objetivo analisar as condições de vida nas penitenciárias de Mato Grosso, confrontando-as com os direitos previstos na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal de 1984, evidenciando as medidas de exceção presentes nas unidades investigadas. Para isso, a pesquisa, de natureza quanti-qualitativa, recorreu a dois instrumentos: um questionário respondido pelas direções das penitenciárias sobre o funcionamento dos estabelecimentos, questões estruturais e serviços, e, o segundo, levantamento de fontes documentais e informações extraídas da mídia eletrônica, como matérias jornalísticas publicadas na imprensa estadual ao longo dos anos. A sistematização e análise dos dados revelaram que as condições de vida nas penitenciárias de Mato Grosso não atendem ao estipulado em lei, presos provisórios e condenados dividem o mesmo espaço e não há condições materiais para a individualização de pena. Além disso, o crime organizado ligado ao narcotráfico atua no vácuo deixado pelo estado, criando um universo independente e perigoso dentro do aparelho estatal. Ademais, a atuação das instituições religiosas, em muitos casos, excede ao que preconiza a legislação. O estudo revelou que no sistema penitenciário de Mato Grosso prevalecem medidas de exceção que alimentam o caos e transformam o espaço prisional em território onde impera a lei do mais forte. Tal realidade, magistralmente trabalhada pela mídia, contribui para o entendimento de que determinadas pessoas deixam de ser portadoras de direitos, pois perderam seu valor jurídico e social, tornando-se figuras descartáveis. Essa condição de vida nua a que são relegados os presos e demais indesejáveis – pretos, pardos, jovens, pobres, mulheres, indígenas– os tornam homo sacer, vida indigna de ser vivida, logo, passíveis de serem exterminados.
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