A gênese histórica da particularidade racial da modernidade através da questão social: um estudo do escravismo colonial no Brasil e em Mato Grosso.

Autor: Bruno José Ricci Boaventura

Categoria(s): 2013

Palavra(s)-chave: totalidade, relação dialética senhor/escravo, acumulação primitiva, revolução abolicionista, artificilidade do liberalismo

As vozes do desespero gritadas na ópera Eu sonhei um sonho, baseada em Os
Miseráveis, obra-prima de Vitor Hugo, publicada no ano de 1862, e também no poema
de Navio Negreiro de Castro Alves, publicada no ano de 1869, assemelham-se por
denunciarem a questão social. Expõem a miserabilidade da condição humana sob as
promessas não cumpridas da modernidade. Tais obras como expressões artísticas da
questão social dos contextos históricos respectivos são alguns dos exemplos que nos
permitiram desvelar uma particularidade racial da gênese histórica da modernidade no
Brasil e em Mato Grosso através da questão social.
A Europa articulou, do centro para periferia, uma singularidade de projeto civilizatório:
a modernidade. Nele, estabeleceu o Brasil como fonte de abastecimento para
acumulação primitiva do capital da burguesia mercantil, através da engendrada
superexploração da escravidão em sua feição moderna: tráfico e mercadoria.
Na exploração desumana para sustentação da base da cadeia da acumulação primitiva,
típica do capitalismo mercantil europeu, formou-se no Brasil uma particularidade: a
relação dialética senhor-escravo dominou todos os aspectos sociais da vida, somente
contradita pela atuação da rebeldia do negro, sobretudo na constituição de quilombos.
Esta foi a característica fundante da nossa questão social: uma relação de acumulação
aos moldes capitalistas da fase mercantil, baseada na profunda exploração do trabalho
escravo.
A consequência inapagável da historicidade de um território religiosamente colonizado,
que em trezentos e oitenta e oito anos que manteve o escravismo colonial como base
econômica, é uma particular e profunda marca implantada em nossa formação social, na
gênese histórica da modernidade brasileira.
Não há uma só expressão, seja do povo, da cultura, da religião, da ciência, da
arquitetura, do direito, da política, que não nos lembre que a escravidão do homem
negro foi a gênese histórica da questão social no Brasil. Uma questão que a casta
senhorial lutou por manter e, desde então, sempre velada.
O projeto timbrado pela singularidade burguesa europeia no Brasil, na constituição da
sociedade capitalista moderna, não era a promessa de riqueza para todos, nem era a
liberdade política do indivíduo pobre, tampouco a igualdade social do coletivo, menos
ainda a solidariedade integradora, era a naturalização da realidade da escravidão do
negro.
O Brasil, pela análise da escravidão como particularidade da gênese histórica da questão
social, evidencia desde sempre a articulação da burguesia mundial pela conservação da
divisão internacional do trabalho iniciada na colonização para que o país se tornasse
economicamente periférico, pois nossa produção sistemática capitalista serviu aos
desígnios do mercado mundial, e nosso Estado constituído como tardiamente político,
justamente para ser incapaz de enfrentar a questão social.

 

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